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domingo, 3 de abril de 2011

OUTRO COMENTARIO SOBRE O JAPAO

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Japão: Pobres após a recessão, o terremoto, o tsunami

Duas semanas após o terramoto que deixou mais de oito mil mortos e dezenas de milhares de desabrigados, o Japão enfrenta a monumental tarefa da reconstrução. Por Suvendrini Kakuchi, para a IPS

Artigo
3 Abril, 2011 - 00:40



Aeroportode Sendai depois do tsunami. Foto de robertodevido

Tóquio - Quando a região japonesa de Tohoku foi sacudida pelo terremoto do dia 11, a única coisa em que pensou a comerciante Yayoko Shinohara foi pegar na féria do dia e correr com o seu marido à procura de um lugar seguro.



Quando regressaram, dois dias depois, esse dinheiro era o único que lhes restava.



O casal era proprietário de uma loja de alimentos na principal rua comercial do povoado de Manie, que ficou cheia de escombros. E a sua casa, a mais de três quilómetros, estava em ruínas após o tsunami que arrasou a área. “Há décadas trabalhamos duro para ter uma vida estável, e desapareceu em poucos minutos. O nosso futuro é incerto”, disse Yayoko à IPS, enquanto esperava na fila para se registar num abrigo temporário. Duas semanas após o terramoto de 9 graus que deixou mais de oito mil mortos e dezenas de milhares de pessoas desabrigadas, o Japão enfrenta a monumental tarefa de reconstruir povoados e cidades que ficaram em ruínas e deixaram milhares de desempregados.



A solução para muitos economistas é impulsionar a recuperação com fundos estatais, o que, segundo o consultor Shigeru Yamada, não é fácil nem mesmo para a terceira economia mundial, que já tinha dificuldades com o aumento da pobreza, relacionada com um desemprego superior a 5% da população economicamente activa. “O desastre foi um duro golpe para o crescimento económico do Japão”, ressaltou.



A crescente dívida pública, maior do que o dobro do produto interno bruto de 5 biliões (milhões de milhões) de dólares, é outro obstáculo para a injecção de fundos estatais. O custo do prejuízo causado pelo terramoto em sete municipalidades chega a 309 mil milhões de dólares, informou esta semana o governo, alertando que as exportações e a produção industrial vão diminuir. O crescimento previsto para este ano é de 0,5%. A previsão oficial está acompanhada de relatórios sobre a péssima situação da indústria na região de Tohoku.



As fábricas de autopeças tiveram de suspender a produção pela escassez de electricidade e as fazendas destroem culturas contaminados pela radiação emitida pelas centrais nucleares de Fukushima. Além da população de Tohoku, directamente afectada pelo terremoto e pelo tsunami, os mais pobres vão sentir o impacto do desastre, pois já sofriam as consequências da recessão económica do Japão, segundo cientistas sociais.



O governo metropolitano de Tóquio informou que 15% dos nove milhões de habitantes dependem da assistência. Mais de dois milhões de famílias recebem ajuda estatal, segundo estatísticas divulgadas em Janeiro, depois que as empresas reduziram custos em reestruturações para se tornarem competitivas com produtos mais baratos do que outros países asiáticos. O rosto da pobreza no Japão muda porque pessoas com formação de todas as idades estão em situação vulnerável, explicou o sociólogo Soji Tanaka, da Universidade de Nihon. As previsões não são boas, já que o gasto social pode reduzi-las mais. “A pobreza é um problema social, mas o futuro dos gastos sociais é incerto, pois são necessários fundos para ajudar as áreas afectadas pelo terremoto”, afirmou Soji.



No Japão há 17% de pessoas pobres, ou seja, que recebem 18 mil dólares por ano e por família. O sinal de alerta pode ser o anúncio do governo de que vai rever a ajuda de 150 dólares para os filhos, que no ano passado foi ampliada para ajudar as famílias com crianças com menos de três anos, disse Soji. A situação é “grave” e significa um “retrocesso” para a agricultura e a pesca, a coluna vertebral da economia regional, afirmou, por sua vez, Seishi Kitamura, presidente do Banco de Tohoku.



“Perdi tudo o que tinha na vida”, afirmou Shuichi Iwadoki, dono de uma companhia pesqueira que espera receber do governo um empréstimo a juros baixos para criar outra empresa em Kesenuma, localidade perto de Fukushima. A beneficência, fenómeno novo na sociedade japonesa, que aumentou no ano passado pela crise económica, também se tornou uma fonte importante de fundos para a recuperação, segundo doadores locais. “Começámos com a iniciativa porque o Estado não pode fornecer fundos suficientes para os mais necessitados”, afirmou Yuko Sie, porta-voz do Fundo Máscara de Tigres, uma instituição benemérita que ajuda jovens pobres. “Os japoneses têm de aprender a confiar entre si para sobreviver”, ressaltou.



30/3/2011

TV AREA NA COBERTURA DA GUERRA NA LIBIA UMA PENA ASSISTA OS TERRORES BARBAROS DA GUERRA NO ORIENTE MEDIO EM TEMPO REAL

DILMA SEGUIRA OS NESMOS PASSOS DE LULA VEJA ENTREVISTA A UM GRANDE ECONOMISTA


''Pobre Brasil! Durante muito tempo ficaremos sem transformações estruturais''. Entrevista especial com Reinaldo Gonçalves

"O governo Dilma seguirá a mesma linha do governo Lula via arranjos com as oligarquias, os bancos, as grandes empreiteiras e o setor de agronegócio. Não houve qualquer transformação relevante nas relações, estruturas e processos políticos no Brasil nos anos Lula. O mesmo ocorrerá no governo Dilma", avalia o economista.



Confira a entrevista.











O economista Reinaldo Gonçalves não vê mudanças estruturais na política econômica do atual governo e menciona que os próximos quatro anos serão de continuidade da gestão Lula



As primeiras medidas econômicas adotadas pela presidente Dilma Rousseff são decorrentes, na avaliação do economista Reinaldo Golnçalves, da “herança nefasta de Lula”. Segundo ele, Dilma mantém a “síndrome de prefeito do interior”, quer dizer, faz ajuste fiscal nos primeiros anos do governo para sobrar dinheiro próximo às eleições. Gonçalves também critica a atual política de reajuste do salário mínimo, que eleva o valor de acordo com a taxa de crescimento dos dois anos anteriores. “O reajuste do salário mínimo no início do ano deve incorporar expectativas quanto à evolução macroeconômica do país (crescimento e inflação) no ano em curso”, assinala.



Em entrevista à IHU On-Line, concedida por e-mail, o economista também comenta a criação do grupo China, anunciado recentemente, e lamenta: “a criação de grupo de estudos dentro do Executivo é um indicador de que nada de relevante será feito”. Para ele, a relação bilateral China/Brasil “reproduz o modelo centro/periferia”. E argumenta: “O que a China quer é controlar fontes fornecedoras de matérias-primas e criar mercados para seus bens e serviços de alto valor agregado”.



Reinaldo Gonçalves é formado em Economia pela Universidade Federal do Rio de Janeiro - UFRJ. Obteve o título de mestre em Economia, pela Fundação Getúlio Vargas - FGV-RJ, e de doutor em Letters And Social Sciences pela University of Reading, na Inglaterra. Atualmente, leciona na UFRJ. É autor de Economia internacional. Teoria e experiência brasileira (Rio de Janeiro: Elsevier, 2004) e Economia política internacional. Fundamentos teóricos e as relações internacionais do Brasil (Rio de Janeiro: Elsevier, 2005).



Confira a entrevista.



IHU On-Line - As primeiras ações de Dilma depois de assumir a presidência foram ajuste fiscal e aumento dos juros. O que isso significa e demonstra em relação à economia brasileira?



Reinaldo Gonçalves - A questão central é a herança nefasta de Lula. As primeiras ações de Dilma demonstram três elementos. O primeiro é que o ajuste em 2010 agravou desequilíbrios macroeconômicos (contas externas, endividamento das famílias e empresas, bolha de preços de imóveis, pressão inflacionária, etc.). O segundo é que este ajuste foi influenciado enormemente pelo oportunismo do governo Lula em ano de eleições gerais. E o terceiro é que no governo Dilma é mantida a “síndrome de prefeito do interior”. Ou seja, arrocho nos dois primeiros anos de governo e extrema liberalidade no final do mandato. Assim, comprime-se a base para se obter resultados mais visíveis no período de reeleição. Em resumo, é a captura da gestão macroeconômica pelo oportunismo eleitoral. É o nosso problema estrutural de combinação de oportunismo político-eleitoral com instituições fracas e sociedade invertebrada. Como parte da herança nefasta de Lula não houve qualquer mudança a respeito deste problema. Muito pelo contrário.



IHU On-Line - Por quais motivos o crescimento tende a cair de 7,5% para 4 ou 5% este ano?



Reinaldo Gonçalves - O forte crescimento econômico em 2010 permitiu a reversão da recessão provocada pela crise global ao mesmo tempo em que foi funcional para os grupos políticos dirigentes, tendo em vista o ciclo eleitoral. Por outro lado, há o agravamento dos desequilíbrios macroeconômicos. Além da pressão inflacionária, verifica-se a forte deterioração das contas externas. Passado o período de eleições, os desequilíbrios macroeconômicos são, então, enfrentados com as medidas ortodoxas de políticas monetárias, creditícia e fiscal restritivas. Em consequência, a expectativa é de não sustentabilidade de elevadas taxas de crescimento do PIB no médio prazo. O Fundo Monetário Internacional - FMI, por exemplo, tem como previsão para o Brasil crescimento real do PIB pouco superior a 4,0% em 2011-12. Ainda segundo as previsões do FMI, o Brasil deve ocupar posições próximas da média e medianas mundiais. As taxas previstas para 2011-12 estão próximas da média do governo Lula (4,0%) e estão abaixo da média secular do país (4,5%). No futuro próximo, a expectativa é de fraco desempenho pelos padrões históricos do Brasil e nenhum avanço na posição internacional. Estes fatos tornam-se ainda mais graves com a trajetória de piora evidente das contas externas, com fortes desequilíbrios de fluxo e de estoque; ou seja, vulnerabilidade externa. Trata-se, aqui, de parte da herança nefasta de Lula.



IHU On-Line - O senhor é autor de um estudo sobre a evolução da renda no governo Lula em comparação com a perspectiva histórica. Quais suas conclusões? A partir desses dados, quais as perspectivas para os próximos anos do governo Dilma?



Reinaldo Gonçalves - A análise da evolução da renda do Brasil durante o governo Lula nos permite chegar às seguintes conclusões: 1) fraco desempenho pelos padrões históricos do país; 2) muito fraco desempenho quando comparado com outros presidentes; 3) país fortemente atingido pela crise global em 2009; 4) o processo de ajuste frente à crise global foi influenciado significativamente pelo ciclo eleitoral e oportunismo político em 2010 e não se sustenta em 2011-12; e, 5) retrocesso relativo no conjunto da economia mundial. Este trabalho pode ser acessado em .



Perspectivas



Sem dúvida alguma há continuidade. É mais do mesmo. A única vantagem é não sofrermos o tsunami diário de hipocrisia e cinismo do Lula. Vale notar que Dilma foi escolhida mais pelos seus defeitos do que por eventuais virtudes. Foi escolhida por ter se mostrado como, talvez, a mais dócil serviçal no governo em que Lula era o centro do poder. Lula mandava e o resto obedecia. Ela é e será uma presidenta frágil, sem uma base própria de poder. O poder para ser efetivo tem que ser conquistado. O poder recebido é raso, oco, simbólico.



Alguns elementos apontam nesta direção:



1) Dilma era totalmente desconhecida antes de ser levada por Lula para Brasília em 2003;



2) ela foi escolhida a dedo por Lula para ser candidata à presidência da República, isto é, ela não disputou esta escolha;



3) os escabrosos arranjos políticos para obtenção de apoio das oligarquias e partidos foram costurados por Lula e pelos articuladores subordinados a Lula;



4) o próprio esquema da campanha milionária à presidência estava fora do alcance de Dilma;



5) toda a força política real da presidência da República é mediada por figuras que Lula indicou para cargos-chave no executivo federal e que são, praticamente, seus serviçais;



6) Dilma está fora do comando das articulações com o congresso, as centrais sindicais, as oligarquias, os bancos, o agronegócio, o núcleo duro do grande capital e os partidos que se tornaram empresas por cotas limitadas (controlados por grupos dirigentes que são dublês de mercadores); e



7) Lula continuará controlando o caixa e os esquemas de financiamento do PT, que são fundamentais não somente para controlar o próprio PT como para o financiamento de campanhas eleitorais regadas a dinheiro.



Para Dilma sobrará o simbolismo do poder. Um dos riscos é que, no contexto de grave crise econômica, eclodam sérios problemas de governança e governabilidade. A fragilidade estrutural de Dilma será sempre travestida pela alegoria da eficiência burocrática e administrativa. A instituição presidência da República invertebrada, fragilizada e travestida de eficiência burocrática é parte da herança nefasta de Lula.



IHU On-Line - O senhor diz que ela será uma presidente sem base própria de poder. Mas o que explica, então, o apoio que recebeu na decisão do aumento do salário mínimo?



Reinaldo Gonçalves - Na história do Brasil podemos identificar presidentes relativamente frágeis e fortes levando em conta a base própria de poder, inclusive, características pessoais. Tomemos o passado recente: na lista dos presidentes relativamente fracos temos Sarney, Itamar e Dilma. Na lista dos presidentes relativamente fortes temos Collor (símbolo de modernização e carisma), Fernando Henrique (intelecto) e Lula (símbolo de mudanças).



Quanto à questão do salário mínimo não se esqueçam que foi uma negociação dura, inclusive, o governo usou o neopeleguismo da CUT contra as outras centrais sindicais e fez compensações. Quando se afirma que a presidente é relativamente fraca não significa que o governo seja fraco, principalmente quando se trata de lidar com grupos sociais e grupos de interesses que são facilmente cooptáveis, como é o caso do atual sindicalismo brasileiro. Não podemos esquecer, ainda, que o governo central no Brasil é hegemônico porque a sociedade civil é frágil, invertebrada. E, ademais, nunca antes na história o peleguismo foi tão marcante.



IHU On-Line – Mudanças no cenário internacional exigirão que tipo de política econômica do governo Dilma? Como vê a questão da exportação de commodities, por exemplo?



Reinaldo Gonçalves - O governo Dilma seguirá a mesma linha do governo Lula via arranjos com as oligarquias, os bancos, as grandes empreiteiras e o setor de agronegócio. Não houve qualquer transformação relevante nas relações, estruturas e processos políticos no Brasil nos anos Lula. O mesmo ocorrerá no governo Dilma. Os setores dominantes (com destaque para o das commodities) beneficiaram-se dos elevados e favoráveis financiamentos do Banco do Brasil e do BNDES. Simplesmente pelo valor simbólico, vale mencionar que, no fechamento das contas da campanha da Dilma, um dos maiores exportadores de soja do país contribuiu pessoalmente com um cheque de um milhão de reais. Quanto à elevação dos preços das commodities há uma saída simples: imposto de exportação. Além do efeito fiscal favorável, o imposto sobre a exportação de commodities aumenta a oferta para o mercado interno e, portanto, tem impacto favorável sobre a inflação.



Naturalmente, Dilma não pretende contrariar os interesses de um setor dominante que, além de financiar campanhas regadas com dinheiro, controla partidos políticos, governos estaduais e municipais, e tem grande base no Congresso Nacional (a chamada bancada ruralista). A reprimarização da economia brasileira e os arranjos com as oligarquias regionais expressam e reforçam estruturas, processos e relações políticas retrógradas.



IHU On-Line - Como o senhor vê os anúncios de investimentos no PAC, considerando o risco de inflação e a perspectiva de crescimento menor?



Reinaldo Gonçalves - O PAC tem sido, desde a sua criação em 2007, uma colcha de retalhos, ou seja, um conjunto frouxo de projetos. Na realidade, é uma lista de projetos, além de ser um balcão para realização de arranjos político-eleitorais. O resultado do PAC é pouco significativo. Vejamos: a taxa de investimento medida em preços correntes foi de 17% no governo FHC (1995-2002), 16% no primeiro mandato de Lula (2003-06) e 18% (no segundo mandato, ou seja, a partir do PAC). Portanto, a média da taxa de investimento do governo Lula (17%) é idêntica à do governo FHC. Ou seja, ambos tiveram desempenho medíocre em termos de taxa de investimento.



A melhora da taxa de investimento com o PAC é inexpressiva (um ponto de percentagem em relação à média do governo FHC). De fato, tirando Petrobrás, o PAC é praticamente inexpressivo. Certamente, se tirarmos os investimentos do pré-sal do cálculo, a taxa média de investimento do governo Lula é, além de medíocre, inferior à observada no governo FHC. O problema com o petróleo é que ele é a base da quarta revolução tecnológica que surgiu há exatamente um século. No século XXI, já estamos na sexta revolução tecnológica e o Brasil está focado nas prioridades do início do século passado.



IHU On-Line – Qual sua opinião a respeito da criação do grupo China?



Reinaldo Gonçalves - A criação de grupo de estudos dentro do Executivo é um indicador de que nada de relevante será feito. A relação bilateral China/Brasil já foi bem estudada e o principal resultado é que esta relação reproduz o modelo centro/periferia. Ou seja, a China é centro e o Brasil é periferia. A China apresenta-se como altamente competitiva e exportadora de bens e serviços intensivos em tecnologia, capital, mão-de-obra qualificada e alto valor agregado, enquanto o Brasil destaca-se como exportador de produtos primários. Ou seja, no século XXI o Brasil terá com a China o mesmo tipo de relação que ele tinha com o Reino Unido no século XIX e com os Estados Unidos no século XX. Com Lula, o Brasil consolida sua vocação para ser um vagão de terceira classe atrelado a locomotivas ou, pior ainda, como atualmente, a um vagão de primeira classe (China). É o Brasil andando para trás e comprometendo sua capacidade de desenvolvimento dinâmico e sustentável no longo prazo com investimentos focados em agronegócio, mineração e petróleo, e, portanto, desindustrialização e reprimarização.



IHU On-Line - É possível exigir do Brasil uma postura diferente do que a de exportador de commodities, considerando que isso que faz parte da raiz histórica do país? Como seria possível investir em setores mais dinâmicos?



Reinaldo Gonçalves - Este argumento tem sido usado desde o século XVI. O fato é que temos raízes apodrecidas. Desenvolvimento é transformação estrutural. Se os Estados Unidos tivessem se concentrado na exportação de commodities (fumo, algodão, etc.) após a independência, talvez, hoje eles fossem algo como o Brasil. Já no final do século XVIII os estadistas nos EUA definiram claramente a estratégia de industrialização. Era necessário que houvesse ruptura com o sul que era escravagista e primário-exportador.



Foi preciso uma guerra civil (1861-65) para romper a resistência de setores retrógrados, libertar 3,5 milhões de escravos e iniciar o salto dos EUA para o desenvolvimento econômico, social, político e institucional. Em pleno século XXI no Brasil, além das mazelas do atraso econômico, social, político e institucional, temos tido um nítido retrocesso intelectual, visto que os graves entraves ao desenvolvimento colocados por estruturas de produção dominadas pelo setor de commodities têm sido desprezados.



Nos anos 1930, o debate era mais inteligente. Como alguém pode, seriamente, pensar que o Brasil é o celeiro do mundo, que a China depende dos nossos produtos primários e que algumas commodities (por exempolo, etanol) não são commodities? Esse retrocesso intelectual também é parte da herança nefasta do governo Lula.



IHU On-Line – Muitas empresas chinesas são estatais e investem em outros

países. O que representa, digamos assim, a intervenção direta de um Estado, no caso o Estado Chinês, em outro país?



Reinaldo Gonçalves - A China está usando no Brasil a mesma estratégia que ela usa em outros países da América do Sul, da África e da Ásia. A China trata o Brasil como trata Angola. O que a China quer é controlar fontes fornecedoras de matérias-primas e criar mercados para seus bens e serviços de alto valor agregado. Na realidade, a China está usando no século XXI a mesma estratégia das potências imperiais desde pelo menos os séculos XVI-XVII. E o Brasil entra nesta estratégia como mais um ator coadjuvante fornecedor de matérias-primas. Para se apropriar de tecnologia ou obter maior controle sobre a produção, a China compra empresas, monta alianças estratégicas ou força a criação de join-ventures (como é o caso da Embraer). Nada de perplexidade se daqui a alguns poucos anos a joint-venture da Embraer na China for comprada pelos chineses e passar a competir com a Embraer brasileira no mercado mundial. Portanto, temos aqui mais um exemplo da herança nefasta do governo Lula: no contexto da reprimarização, há internacionalização de empresas brasileiras, perda de controle sobre estas empresas, e perda de competitividade internacional do país.



IHU On-Line – Que avaliação faz do reajuste do salário mínimo?



Reinaldo Gonçalves - A fórmula de reajuste do salário mínimo é burra. O reajuste do salário mínimo no início do ano deve incorporar expectativas quanto à evolução macroeconômica do país (crescimento e inflação) no ano em curso. Não faz sentido atrelar o ajuste à taxa de crescimento de dois anos atrás e à inflação do ano anterior. Provavelmente usaram este método inapropriado pela sua simplicidade; só que neste caso a simplicidade só complica. Era estratégia dominante no governo Lula seguir a linha de menor resistência que, frequentemente, não é a mais apropriada. Há muitos exemplos dessa estratégia de linha de menor resistência: reprimarização, Bolsa Família, câmbio apreciado etc.



Provavelmente, Dilma manterá e, até mesmo, reforçará esta herança. Pobre Brasil! Durante muito tempo ficaremos sem transformações estruturais. Durante muito tempo os problemas estruturais, os vícios e as vulnerabilidades do país continuarão se agravando. E, durante muito tempo, os atuais grupos dirigentes e os seus intelectuais de algibeira (movidos por gratificações das consultorias e expectativas de ambos) argumentarão que os realistas são pessimistas e que o otimismo que eles professam não deriva da combinação de ignorância, venalidade, malandragem e pusilanimidade. Em síntese, não faltam exemplos da herança nefasta de Lula.



Para ler mais:



ESCRAVIDAO NO BRASIL AINDA EXISTE

Trabalho escravo é encontrado na cadeia da Pernambucanas






Grupo de imigrantes sul-americanos submetidos a condições análogas à escravidão foi flagrado costurando blusas da coleção Outono-Inverno da Argonaut, marca jovem ligada às centenárias lojas Pernambucanas.



A reportagem é de Bianca Pyl e publicada pela Agência Repórter Brasil, 02-04-2011.



A casa branca, localizada em uma rua tranquila da Zona Norte da capital paulista, não levantava suspeita. Dentro dela, no entanto, 16 pessoas vindas da Bolívia viviam e eram explorados em condições de escravidão contemporânea na fabricação de roupas.



O grupo costurava blusas da coleção Outono-Inverno da Argonaut, marca jovem da tradicional Pernambucanas, no momento em que auditores fiscais da Superintendência Regional do Trabalho e Emprego de São Paulo (SRTE/SP) chegaram ao local.



Entre as vítimas, dois irmãos com 16 e 17 anos de idade e uma mulher com deficiência cognitiva. No local, a fiscalização constatou a degradação do ambiente, jornada exaustiva de trabalho e servidão por dívida, três traços que caracterizam o trabalho análogo ao de escravo - crime previsto no Art. 149 do Código Penal. As vítimas trabalham mais de 60 horas semanais para receber, em média, salário de R$ 400 mensais.



Descobriu-se que a encomenda das peças havia sido feita pela intermediária Dorbyn Fashion Ltda. - um entre os mais de 500 fornecedores da tradicional rede de lojas. O flagrante, registrado em 14 de março, motivou o Ministério do Trabalho e Emprego (MTE) a cobrar cerca de R$ 2,3 milhões da Pernambucanas, soma dos valores referentes a autuações com a notificação para recolhimento do Fundo de Garantia pelo Tempo de Serviço (FGTS).



A Repórter Brasil acompanhou a operação comandada pela SRTE/SP. O cenário encontrado de condições degradantes apresentava diversos riscos à saúde e segurança das vítimas. Não há janelas ou qualquer tipo de ventilação no espaço apertado e quente. A insalubridade, a precariedade e o improviso marcavam tanto os ambientes de trabalho quanto os de descanso.



Alimentos eram armazenados de forma irregular: além da bandeja de iogurte dentro da gaveta, a inspeção se deparou com carnes estragadas. A sofrível estrutura não permitia nem banhos com água quente.



As jornadas de trabalho eram exaustivas, sem pagamento de horas extras. Os "salários" não alcançavam o salário mínimo e muito menos o piso da categoria. Também foram recolhidas anotações referentes a descontos irregulares, artifício comum dentro do esquema de servidão por dívida. As passagens de ônibus para o Brasil eram "pagas" com trabalho intenso de costura.



Na chegada da equipe de fiscalização, os trabalhadores deixaram transparecer a apreensão. "Medo de ter que ir embora sem nada", disse um deles. Um costureiro interrompe o depoimento do outro e poucos falam abertamente sobre as condições em que vivem. Mesmo assim, Joana** relatou que "quanto mais rápido se trabalha, mais se pode ganhar". Ela e seus companheiros de trabalho não tinham, contudo, acesso ao controle de sua produção e nem quanto receberia por peça. As jovens nunca viram as roupas que produzem na loja e nunca compraram nada nas lojas Pernambucanas.



A primeira pergunta que Joana** fez às autoridades presentes veio de chofre: "Eu posso estudar?". A jovem sempre alimentou o sonho de cursar - em sentido inverso percorrido por muitos brasileiros que estudam na Bolívia para se tornar médicos - uma faculdade de Medicina no Brasil.



Ela contou já ter feito o curso preparatório em seu país. A jovem chegara em São Paulo (SP) apenas um mês antes do flagrante. Um táxi teria sido encarregado de trazê-la da rodoviária diretamente até a discreta oficina. Na cidade de El Alto, vizinha à capital La Paz, Joana** consertava telefones celulares.



A investigação que chegou até o local começou em agosto do ano passado, quando outra oficina que empregava imigrantes sem documentos e em condições degradantes foi flagrada costurando vestidos Vanguard, marca feminina adulta da Pernambucanas - a Repórter Brasil também acompanhou esta ação e publicará, em breve, outra reportagem com mais detalhes da operação passada.



A partir de então, auditores e auditoras da SRTE/SP decidiram aprofundar as investigações para verificar a eventual repetição das ocorrências constatadas na confecção das peças da Vanguard em outras oficinas irregulares e para coletar subsídios adicionais para embasar as conclusões oficiais.



A fiscalização teve acesso ao pedido de compra do lote (2.748 peças) do "casaco longo moletom - tema Romance Gótico", da Argonaut, que os libertados costuravam no momento da ação. As Pernambucanas pagariam R$ 33,50 por cada peça à Dorbyn e venderia a mesma por R$ 79,90. O valor pago pela Dorbyn por cada blusa à oficina de costura era de R$ 4,30.



Riscos



Em dois cômodos pequenos, pelo menos oito máquinas estavam sendo utilizadas. Uma das paredes apresentava rachaduras. No teto, a cobertura de plástico estava cedendo. A única janela dava acesso a um dos quartos e estava fechada, com uma costureira trabalhando de costas. Esse ambiente era frequentado por três crianças.



Os auditores da área de Saúde e Segurança do Trabalho interditaram a oficina porque havia grave e iminente risco à vida dos trabalhadores. A lista de problemas começava com a rede elétrica, instalada de forma irregular, com os fios elétricos expostos.



"Nós verificamos o uso excessivo de benjamins - prática que não é permitida porque causa uma sobretensão muito grande. E o risco de curto e, consequentemente, de incêndios era alto", explicou Rodrigo Vieira Vaz.



Não havia extintor de incêncio ou rota de fugas no local. Os tecidos, que são materiais inflamáveis, ficam espalhados pelo chão da oficina, dificultando até a circulação das pessoas.



A iluminação do ambiente era imprópria e, segundo avaliação dos técnicos, poderia acarretar em problemas na visão dos costureiros e costureiras. A Norma Regulamentadora 17 (NR-17) prevê iluminação especifica para este tipo de trabalho.



As cadeiras utilizadas não tinham nenhuma regulagem: eram bancos sem encostos. Até mesmo uma caixa de papelão servia para assento de um dos trabalhadores. O uso de cadeiras inadequadas pode acarretar problemas na coluna ou músculo-esquelético.



A exposição a lesões e acidentes era latente. As correias das máquinas não tinham proteção alguma. "A correia pega velocidade com o acionamento das máquinas e pode até decepar um dedo", exemplifica Teresinha Aparecida Dias Ramos, médica e auditora fiscal que fez parte da equipe de operação. Para ela, a probabilidade de proliferação de doenças era muito grande por conta da falta de higiene e de ventilação.



A fiscalização encontrou alimentos vencidos na geladeira da oficina. A cozinha era suja e minúscula. Não havia mesas ou cadeiras para que os empregados pudessem fazer as refeições com um mínimo de conforto.

As instalações sanitárias também eram sujas e insuficientes para a quantidade de costureiros e costureiras. Os banheiros exalavam odor forte e asqueroso. O único chuveiro elétrico estava desligado por causa da sobrecarga de energia elétrica da oficina, com fiações cortadas, o que forçava os imigrantes a encarar o temido banho de água fria. O empregador não fornecia roupas de cama e toalhas de banho.



A limpeza dos dormitórios, das instalações sanitárias e demais dependências era feita pelos próprios trabalhadores, conforme escala fixada na porta de um dos banheiros. Os alojamentos eram dois dormitórios divididos por guarda-roupas de modo a criar quatro espaços diferentes, que eram divididos entre todos os trabalhadores, inclusive os casais com filhos. Eram três casais, sendo um com dois filhos e os outros com uma filha cada.



Intermediária



Durante a fiscalização, dois funcionários da Dorbyn - Rogério Luís Rodrigues de Freitas, gerente administrativo, e Maria Xavier dos Santos, encarregada de acabamento das peças produzidas - foram até a oficina para verificar como estava a produção dos bolivianos.



De acordo com levantamento da fiscalização, outras 16 oficinas informais produziram peças para a Dorbyn entre janeiro de 2010 e fevereiro de 2011. Apenas a oficina da Zona Norte flagrada com trabalho escravo produziu 49,8 mil peças ao longo do período. Na prática, portanto, foi o ponto de costura que mais forneceu para a Dorbyn durante o intervalo pesquisado.



O boliviano que se apresentou como dono da oficina vistoriada disse ter conhecido a Dorbyn, no mercado desde 1979, por meio de folhetos distribuídos na Praça Kantuta - ponto de encontro de imigrantes bolivianos no centro da metrópole. Ele foi até o bairro do Brás, onde fica a sede da intermediária, e se acertou com o gerente Rogério. Passou, então, a abastecer a empresa em 2009. Segundo depoimentos, a pequena oficina costura com exclusividade para a Dorbyn pelo menos desde outubro de 2010.



À Repórter Brasil, Fábio Khouri, um dos sócios da Dorbyn, declarou que o número de oficinas subcontratadas varia de acordo com a época. O empresário não quis informar quantos funcionários a Dorbyn mantém registrados nem quantas encomendas que recebem se referem diretamente a Pernambucanas. Disse ainda que o fornecimento da oficina fiscalizada não era contínuo e que o mesmo dependia da disponibilidade do oficinista.

"Assim que ele [dono da oficina] regularizar a situação, abrir firma e registrar os funcionários, a Dorbyn continuará a ´mandar´ serviço, dependendo da necessidade", completou. Segundo Fábio, a Dorbyn "de forma alguma" conhecia a situação dos trabalhadores. "Havia alguma semanas que não íamos lá", colocou, sem antes reiterar que costuma auditar os parceiros que contrata para verificar em que condições as peças estão sendo produzidas.



Responsabilização



Na avaliação dos integrantes da SRTE/SP, a responsabilidade trabalhista é da Pernambucanas. Foram lavrados 41 autos contra a empresa - cada auto se refere a uma irregularidade constatada.



Segundo Luís Alexandre Faria, que coordenou a operação, a Pernambucanas não pode alegar que apenas vende - e não produz - peças de vestuário."Os atos diretivos e empresariais são da Pernambucanas. É a empresa que determina a tendência, faz o controle de qualidade de cada peça, estipula o preço e o prazo que as peças devem ser entregues", acrescentou. Por causa desse papel determinante na produção, foi possível identificar a subordinação reticular dos outros envolvidos frente a Pernambucanas.



A produção pulverizada das peças dos grandes magazines propicia agilidade na entrega e transfere os custos empresariais e trabalhistas para a ponta da cadeia produtiva. "Há uma demanda de consumo muito grande que deu espaço ao chamado fast fashion", complementou Luís. O que ocorre é uma espécie de concorrência ao revés - se uma determinada oficina não aceita produzir peças a um determinado valor, outra certamente aceitará.



Após a inspeção na referida oficina de costura, a equipe da SRTE/SP também realizou auditoria contábil e in loco na sede da empresa Arthur Lundgren Tecidos S.A - Casas Pernambucanas. A partir desse trabalho, foi mapeada a cadeia produtiva das peças comercializadas pela rede - desde fornecedoras diretas , passando por confecções e chegando até as oficinas de costura quarteirizadas, inclusive com a discriminação de onde se localizam.



O resultado da primeira etapa de investigações demonstra, segundo a auditoria, que o processo de produção (costura) das roupas das Pernambucanas ocorre com total precarização das condições contratuais dos trabalhadores e dos ambientes de trabalho, resultando no desrespeito aos mais básicos e elementares direitos dos trabalhadores.



O flagrante na oficina da vez não deve ser entendido como caso isolado, como advertem os membros da SRTE/SP. Na visão apresentada por eles, as empresas interpostas, chamadas pela Pernambucanas de fornecedoras, funcionam, na realidade, como verdadeiras células de produção da empresa, todas interligadas em rede por contratos simulando prestação de serviço, mas que, na realidade, encobertam "nítida relação de emprego entre todos os obreiros das empresas interpostas e a empresa autuada".



Em reunião com os auditores, Eduardo Tosta de Sá Humberg, gerente da Pernambucanas, afirmou não reconhecer a responsabilidade da empresa pelos trabalhadores encontrados em situação degradante, "tendo em vista que a empresa tão-somente faria a compra de peças de vestuário de seus fornecedores". Antes de selecionar um fornecedor, a empresa alega que faz uma criteriosa análise da capacidade produtiva.



Entretanto, nenhum costureiro aparece admitido no livro de registros da Dorbyn, apreendido para averiguação. Há apenas um encarregado, um ajudante geral, um assistente financeiro, um auxiliar de limpeza, um auxiliar de manutenção, dois balconistas e um encarregado de expedição.



"A Dorbyn nada agrega ao processo produtivo das peças comercializadas e encomendadas pela Pernambucanas", conforme o relatório da fiscalização. A empresa não possui nem trabalhadores da área de criação, nem costureiros, já que toda a produção é "quarteirizada" para oficinas de costura. Na avaliação da SRTE/SP, a Dorbyn não possui capacidade produtiva para a produção das peças encomendadas pela Pernambucanas.



Entre abril e junho de 2010, a Dorbyn vendeu 4,9 mil peças para diversos compradores, enquanto que para a Pernambucanas as vendas foram de quase 50 mil peças no total. "Isso mostra a dependência da Dorbyn em relação a Pernambucanas", explicou Luís Alexandre.



De acordo com a auditoria, a intermediária confeccionou 141,5 mil peças de vestuário, de janeiro de 2010 a fevereiro deste ano, que foram vendidas para as lojas Pernambucanas. O "fornecimento" não exigiu a contratação formal de nenhuma costureira ou costureiro em uma atividade econômica que, aliás, é conhecida pela intensiva utilização de mão de obra.



O relatório final problematiza a questão. "Esta forma de superexploração da força de trabalho, negando aos trabalhadores direitos laborais e previdenciários mínimos, dá-se com intuito de maximizar os lucros, atingindo uma redução do preço dos produtos, caracterizando uma vantagem indevida no mercado e levando à concorrência desleal".



Após a fiscalização, os libertados receberam a guia para sacar três parcelas do Seguro Desemprego para o Trabalhador Resgatado e a Carteira de Trabalho e da Previdência Social (CTPS) provisória, válida por 90 dias.



As vítimas receberam entre R$ 1,5 mil e R$ 6 mil de verbas rescisórias. Os valores foram pagos pela Dorbyn, totalizando R$ 44,8 mil. O total calculado pelos contadores da Pernambucanas e auditores da SRTE/SP, porém, era de R$ 173 mil. "A Dorbyn se recusou a pagar saldos de salários e outras remunerações anteriores", explica a auditora Giuliana Cassiano.



O relatório será encaminhado à Secretária de Inspeção do Trabalho (SIT) do MTE para que seja aberto procedimento administrativo que poderá culminar com a inclusão da Pernambucanas na "lista suja" do trabalho escravo.



O magazine, que completou 100 anos em 2008, recebeu todos os autos de infração e uma notificação do MTE na última quinta-feira (31) para adotar imediatamente providências como: sanar todas as irregularidades relatadas nos autos; promover a imediata anotação dos contratos de Trabalho nas CTPS dos trabalhadores - para isso, o MTE deve tornar sem efeito as anotações já realizadas pela Dorbyn; realizar o pagamento de todas as verbas de natureza trabalhista não quitadas com os trabalhadores até o momento - inclusive salários, horas extras, entre outros; garantir alojamento decente em imóveis apropriados, com um trabalhador por quarto e uma família por imóvel; e garantir o retorno daqueles que desejarem voltar à Bolívia.



A Pernambucanas não respondeu às questões enviadas pela reportagem sobre o caso. A empresa se limitou a dizer que enviou nota em que se vale de ata da audiência realizada no último dia 15 de março, acompanhada pela Repórter Brasil, na qual afirmou - por meio de seu advogado - não estar "reconhecendo qualquer responsabilidade pelas ocorrências relatadas e que não mantém relação alguma com a oficina implicada".



O magazine - que possui 16 mil funcionários próprios, alocados em 610 filiais espalhadas pelo país - ressaltou que segue "política de responsabilidade social que inclui o compromisso de todos os fornecedores com o respeito à legislação trabalhista e aos direitos do trabalhador". Informou ainda que uma cláusula no contrato de compra de mercadorias em que determina que o fornecedor "não poderá se envolver com, ou apoiar, a utilização de trabalho infantil, trabalho forçado ou quaisquer outras formas de exploração ilícita de mão de obra ou, ainda, outras atividades que, de maneira direta ou indireta, atinjam os princípios básicos da dignidade humana".



Tráfico



Foram apreendidos ainda sete cadernos com anotações de dívidas dos empregados com o dono da oficina. Há desde marcações referentes à compra de shampoo até o desconto do custo da passagem da Bolívia ao Brasil. Uma das vítimas chegou a receber R$ 238 por um mês inteiro de trabalho. Um dos cadernos também mostra outro tipo de redução no salário em virtude de peças com defeitos devolvidas pela empresa.



Muitos elementos indicam que os trabalhadores foram vítimas de tráfico de pessoas. Para Juliano Lobão, do Comitê Interinstitucional de Prevenção e Enfrentamento ao Tráfico de Pessoas, diversos fatores permitem tal apontamento. Entre eles, a recepção e a hospedagem dos trabalhadores pelo dono da oficina. "Isso por si só já caracteriza o crime de tráfico de pessoas, conforme definição do Protocolo de Palermo, ratificada pelo Decreto Nacional nº 5.948, de 26 de Outubro de 2006, que institui a Política Nacional de Enfrentamento ao Tráfico de Pessoas".



Além disso, foram encontrados documentos pessoais com descontos de valores ligados à hospedagem, à alimentação e a outros gastos. "Isso reforça ainda mais a exploração a qual os trabalhadores estavam submetidos. Não podemos ainda ignorar as péssimas condições encontradas no local de trabalho,e as condições de higiene igualmente ruins do local como um todo", detalha Juliano, que acompanhou a ação. A SRTE/SP encaminhará os cadernos à Polícia Federal (PF) para apuração dos indícios.



Paralelamente, a Defensoria Pública da União (DPU) está encaminhando pedido de regularização migratória das vítimas com base na Resolução Normativa nº 93, de 21/12/2010, do Conselho Nacional de Imigração (CNIg). A resolução prevê permanência provisória no país, pelo prazo de um ano, de estrangeiros submetidos ao tráfico de pessoas.



"Quem decide sobre o pedido é o Ministério da Justiça. O Comitê Interinstitucional de Prevenção e Enfrentamento ao Tráfico de Pessoas do Estado de São Paulo, que reúne várias instituições públicas com atuação no caso, também será acionado para os devidos encaminhamentos, a depender das demandas individuais de cada uma das vítimas", relata a defensora Fabiana Galera Severo, que está cuidando do caso.



A equipe de fiscalização foi composta pelo Comitê Interestadual de Prevenção e Enfrentamento ao Tráfico de Pessoas (ligado à Secretaria Estadual de Justiça de São Paulo), pela Comissão Municipal de Direitos Humanos, MTE, PF e Ministério Público do Trabalho (MPT). Contudo, os dois últimos órgãos abandonaram a ação quando ela ainda estava em curso.



De acordo com a assessoria de imprensa da Superintendência Regional da PF em São Paulo, os três agentes que participaram da ação tinham a função "única e exclusiva" de dar apoio e fazer a proteção policial. Diante do questionamento da reportagem sobre a motivação para o abandono da ação em andamento, o assessor de imprensa do órgão se limitou a dizer que as investigações sobre o caso ainda estão internamente em andamento e a posição será apresentada assim que houver algo mais conclusivo.



O MPT também informou, por meio da assessoria de imprensa, que a investigação e procedimentos administrativos ainda estão em curso e somente após a conclusão é que o órgão se pronunciaria.



**Nomes fictícios para que a identidade dos trabalhadores seja protegida.



ESCRAVIDAO NO BRASIL AINDA EXISTE

Trabalho escravo é encontrado na cadeia da Pernambucanas






Grupo de imigrantes sul-americanos submetidos a condições análogas à escravidão foi flagrado costurando blusas da coleção Outono-Inverno da Argonaut, marca jovem ligada às centenárias lojas Pernambucanas.



A reportagem é de Bianca Pyl e publicada pela Agência Repórter Brasil, 02-04-2011.



A casa branca, localizada em uma rua tranquila da Zona Norte da capital paulista, não levantava suspeita. Dentro dela, no entanto, 16 pessoas vindas da Bolívia viviam e eram explorados em condições de escravidão contemporânea na fabricação de roupas.



O grupo costurava blusas da coleção Outono-Inverno da Argonaut, marca jovem da tradicional Pernambucanas, no momento em que auditores fiscais da Superintendência Regional do Trabalho e Emprego de São Paulo (SRTE/SP) chegaram ao local.



Entre as vítimas, dois irmãos com 16 e 17 anos de idade e uma mulher com deficiência cognitiva. No local, a fiscalização constatou a degradação do ambiente, jornada exaustiva de trabalho e servidão por dívida, três traços que caracterizam o trabalho análogo ao de escravo - crime previsto no Art. 149 do Código Penal. As vítimas trabalham mais de 60 horas semanais para receber, em média, salário de R$ 400 mensais.



Descobriu-se que a encomenda das peças havia sido feita pela intermediária Dorbyn Fashion Ltda. - um entre os mais de 500 fornecedores da tradicional rede de lojas. O flagrante, registrado em 14 de março, motivou o Ministério do Trabalho e Emprego (MTE) a cobrar cerca de R$ 2,3 milhões da Pernambucanas, soma dos valores referentes a autuações com a notificação para recolhimento do Fundo de Garantia pelo Tempo de Serviço (FGTS).



A Repórter Brasil acompanhou a operação comandada pela SRTE/SP. O cenário encontrado de condições degradantes apresentava diversos riscos à saúde e segurança das vítimas. Não há janelas ou qualquer tipo de ventilação no espaço apertado e quente. A insalubridade, a precariedade e o improviso marcavam tanto os ambientes de trabalho quanto os de descanso.



Alimentos eram armazenados de forma irregular: além da bandeja de iogurte dentro da gaveta, a inspeção se deparou com carnes estragadas. A sofrível estrutura não permitia nem banhos com água quente.



As jornadas de trabalho eram exaustivas, sem pagamento de horas extras. Os "salários" não alcançavam o salário mínimo e muito menos o piso da categoria. Também foram recolhidas anotações referentes a descontos irregulares, artifício comum dentro do esquema de servidão por dívida. As passagens de ônibus para o Brasil eram "pagas" com trabalho intenso de costura.



Na chegada da equipe de fiscalização, os trabalhadores deixaram transparecer a apreensão. "Medo de ter que ir embora sem nada", disse um deles. Um costureiro interrompe o depoimento do outro e poucos falam abertamente sobre as condições em que vivem. Mesmo assim, Joana** relatou que "quanto mais rápido se trabalha, mais se pode ganhar". Ela e seus companheiros de trabalho não tinham, contudo, acesso ao controle de sua produção e nem quanto receberia por peça. As jovens nunca viram as roupas que produzem na loja e nunca compraram nada nas lojas Pernambucanas.



A primeira pergunta que Joana** fez às autoridades presentes veio de chofre: "Eu posso estudar?". A jovem sempre alimentou o sonho de cursar - em sentido inverso percorrido por muitos brasileiros que estudam na Bolívia para se tornar médicos - uma faculdade de Medicina no Brasil.



Ela contou já ter feito o curso preparatório em seu país. A jovem chegara em São Paulo (SP) apenas um mês antes do flagrante. Um táxi teria sido encarregado de trazê-la da rodoviária diretamente até a discreta oficina. Na cidade de El Alto, vizinha à capital La Paz, Joana** consertava telefones celulares.



A investigação que chegou até o local começou em agosto do ano passado, quando outra oficina que empregava imigrantes sem documentos e em condições degradantes foi flagrada costurando vestidos Vanguard, marca feminina adulta da Pernambucanas - a Repórter Brasil também acompanhou esta ação e publicará, em breve, outra reportagem com mais detalhes da operação passada.



A partir de então, auditores e auditoras da SRTE/SP decidiram aprofundar as investigações para verificar a eventual repetição das ocorrências constatadas na confecção das peças da Vanguard em outras oficinas irregulares e para coletar subsídios adicionais para embasar as conclusões oficiais.



A fiscalização teve acesso ao pedido de compra do lote (2.748 peças) do "casaco longo moletom - tema Romance Gótico", da Argonaut, que os libertados costuravam no momento da ação. As Pernambucanas pagariam R$ 33,50 por cada peça à Dorbyn e venderia a mesma por R$ 79,90. O valor pago pela Dorbyn por cada blusa à oficina de costura era de R$ 4,30.



Riscos



Em dois cômodos pequenos, pelo menos oito máquinas estavam sendo utilizadas. Uma das paredes apresentava rachaduras. No teto, a cobertura de plástico estava cedendo. A única janela dava acesso a um dos quartos e estava fechada, com uma costureira trabalhando de costas. Esse ambiente era frequentado por três crianças.



Os auditores da área de Saúde e Segurança do Trabalho interditaram a oficina porque havia grave e iminente risco à vida dos trabalhadores. A lista de problemas começava com a rede elétrica, instalada de forma irregular, com os fios elétricos expostos.



"Nós verificamos o uso excessivo de benjamins - prática que não é permitida porque causa uma sobretensão muito grande. E o risco de curto e, consequentemente, de incêndios era alto", explicou Rodrigo Vieira Vaz.



Não havia extintor de incêncio ou rota de fugas no local. Os tecidos, que são materiais inflamáveis, ficam espalhados pelo chão da oficina, dificultando até a circulação das pessoas.



A iluminação do ambiente era imprópria e, segundo avaliação dos técnicos, poderia acarretar em problemas na visão dos costureiros e costureiras. A Norma Regulamentadora 17 (NR-17) prevê iluminação especifica para este tipo de trabalho.



As cadeiras utilizadas não tinham nenhuma regulagem: eram bancos sem encostos. Até mesmo uma caixa de papelão servia para assento de um dos trabalhadores. O uso de cadeiras inadequadas pode acarretar problemas na coluna ou músculo-esquelético.



A exposição a lesões e acidentes era latente. As correias das máquinas não tinham proteção alguma. "A correia pega velocidade com o acionamento das máquinas e pode até decepar um dedo", exemplifica Teresinha Aparecida Dias Ramos, médica e auditora fiscal que fez parte da equipe de operação. Para ela, a probabilidade de proliferação de doenças era muito grande por conta da falta de higiene e de ventilação.



A fiscalização encontrou alimentos vencidos na geladeira da oficina. A cozinha era suja e minúscula. Não havia mesas ou cadeiras para que os empregados pudessem fazer as refeições com um mínimo de conforto.

As instalações sanitárias também eram sujas e insuficientes para a quantidade de costureiros e costureiras. Os banheiros exalavam odor forte e asqueroso. O único chuveiro elétrico estava desligado por causa da sobrecarga de energia elétrica da oficina, com fiações cortadas, o que forçava os imigrantes a encarar o temido banho de água fria. O empregador não fornecia roupas de cama e toalhas de banho.



A limpeza dos dormitórios, das instalações sanitárias e demais dependências era feita pelos próprios trabalhadores, conforme escala fixada na porta de um dos banheiros. Os alojamentos eram dois dormitórios divididos por guarda-roupas de modo a criar quatro espaços diferentes, que eram divididos entre todos os trabalhadores, inclusive os casais com filhos. Eram três casais, sendo um com dois filhos e os outros com uma filha cada.



Intermediária



Durante a fiscalização, dois funcionários da Dorbyn - Rogério Luís Rodrigues de Freitas, gerente administrativo, e Maria Xavier dos Santos, encarregada de acabamento das peças produzidas - foram até a oficina para verificar como estava a produção dos bolivianos.



De acordo com levantamento da fiscalização, outras 16 oficinas informais produziram peças para a Dorbyn entre janeiro de 2010 e fevereiro de 2011. Apenas a oficina da Zona Norte flagrada com trabalho escravo produziu 49,8 mil peças ao longo do período. Na prática, portanto, foi o ponto de costura que mais forneceu para a Dorbyn durante o intervalo pesquisado.



O boliviano que se apresentou como dono da oficina vistoriada disse ter conhecido a Dorbyn, no mercado desde 1979, por meio de folhetos distribuídos na Praça Kantuta - ponto de encontro de imigrantes bolivianos no centro da metrópole. Ele foi até o bairro do Brás, onde fica a sede da intermediária, e se acertou com o gerente Rogério. Passou, então, a abastecer a empresa em 2009. Segundo depoimentos, a pequena oficina costura com exclusividade para a Dorbyn pelo menos desde outubro de 2010.



À Repórter Brasil, Fábio Khouri, um dos sócios da Dorbyn, declarou que o número de oficinas subcontratadas varia de acordo com a época. O empresário não quis informar quantos funcionários a Dorbyn mantém registrados nem quantas encomendas que recebem se referem diretamente a Pernambucanas. Disse ainda que o fornecimento da oficina fiscalizada não era contínuo e que o mesmo dependia da disponibilidade do oficinista.

"Assim que ele [dono da oficina] regularizar a situação, abrir firma e registrar os funcionários, a Dorbyn continuará a ´mandar´ serviço, dependendo da necessidade", completou. Segundo Fábio, a Dorbyn "de forma alguma" conhecia a situação dos trabalhadores. "Havia alguma semanas que não íamos lá", colocou, sem antes reiterar que costuma auditar os parceiros que contrata para verificar em que condições as peças estão sendo produzidas.



Responsabilização



Na avaliação dos integrantes da SRTE/SP, a responsabilidade trabalhista é da Pernambucanas. Foram lavrados 41 autos contra a empresa - cada auto se refere a uma irregularidade constatada.



Segundo Luís Alexandre Faria, que coordenou a operação, a Pernambucanas não pode alegar que apenas vende - e não produz - peças de vestuário."Os atos diretivos e empresariais são da Pernambucanas. É a empresa que determina a tendência, faz o controle de qualidade de cada peça, estipula o preço e o prazo que as peças devem ser entregues", acrescentou. Por causa desse papel determinante na produção, foi possível identificar a subordinação reticular dos outros envolvidos frente a Pernambucanas.



A produção pulverizada das peças dos grandes magazines propicia agilidade na entrega e transfere os custos empresariais e trabalhistas para a ponta da cadeia produtiva. "Há uma demanda de consumo muito grande que deu espaço ao chamado fast fashion", complementou Luís. O que ocorre é uma espécie de concorrência ao revés - se uma determinada oficina não aceita produzir peças a um determinado valor, outra certamente aceitará.



Após a inspeção na referida oficina de costura, a equipe da SRTE/SP também realizou auditoria contábil e in loco na sede da empresa Arthur Lundgren Tecidos S.A - Casas Pernambucanas. A partir desse trabalho, foi mapeada a cadeia produtiva das peças comercializadas pela rede - desde fornecedoras diretas , passando por confecções e chegando até as oficinas de costura quarteirizadas, inclusive com a discriminação de onde se localizam.



O resultado da primeira etapa de investigações demonstra, segundo a auditoria, que o processo de produção (costura) das roupas das Pernambucanas ocorre com total precarização das condições contratuais dos trabalhadores e dos ambientes de trabalho, resultando no desrespeito aos mais básicos e elementares direitos dos trabalhadores.



O flagrante na oficina da vez não deve ser entendido como caso isolado, como advertem os membros da SRTE/SP. Na visão apresentada por eles, as empresas interpostas, chamadas pela Pernambucanas de fornecedoras, funcionam, na realidade, como verdadeiras células de produção da empresa, todas interligadas em rede por contratos simulando prestação de serviço, mas que, na realidade, encobertam "nítida relação de emprego entre todos os obreiros das empresas interpostas e a empresa autuada".



Em reunião com os auditores, Eduardo Tosta de Sá Humberg, gerente da Pernambucanas, afirmou não reconhecer a responsabilidade da empresa pelos trabalhadores encontrados em situação degradante, "tendo em vista que a empresa tão-somente faria a compra de peças de vestuário de seus fornecedores". Antes de selecionar um fornecedor, a empresa alega que faz uma criteriosa análise da capacidade produtiva.



Entretanto, nenhum costureiro aparece admitido no livro de registros da Dorbyn, apreendido para averiguação. Há apenas um encarregado, um ajudante geral, um assistente financeiro, um auxiliar de limpeza, um auxiliar de manutenção, dois balconistas e um encarregado de expedição.



"A Dorbyn nada agrega ao processo produtivo das peças comercializadas e encomendadas pela Pernambucanas", conforme o relatório da fiscalização. A empresa não possui nem trabalhadores da área de criação, nem costureiros, já que toda a produção é "quarteirizada" para oficinas de costura. Na avaliação da SRTE/SP, a Dorbyn não possui capacidade produtiva para a produção das peças encomendadas pela Pernambucanas.



Entre abril e junho de 2010, a Dorbyn vendeu 4,9 mil peças para diversos compradores, enquanto que para a Pernambucanas as vendas foram de quase 50 mil peças no total. "Isso mostra a dependência da Dorbyn em relação a Pernambucanas", explicou Luís Alexandre.



De acordo com a auditoria, a intermediária confeccionou 141,5 mil peças de vestuário, de janeiro de 2010 a fevereiro deste ano, que foram vendidas para as lojas Pernambucanas. O "fornecimento" não exigiu a contratação formal de nenhuma costureira ou costureiro em uma atividade econômica que, aliás, é conhecida pela intensiva utilização de mão de obra.



O relatório final problematiza a questão. "Esta forma de superexploração da força de trabalho, negando aos trabalhadores direitos laborais e previdenciários mínimos, dá-se com intuito de maximizar os lucros, atingindo uma redução do preço dos produtos, caracterizando uma vantagem indevida no mercado e levando à concorrência desleal".



Após a fiscalização, os libertados receberam a guia para sacar três parcelas do Seguro Desemprego para o Trabalhador Resgatado e a Carteira de Trabalho e da Previdência Social (CTPS) provisória, válida por 90 dias.



As vítimas receberam entre R$ 1,5 mil e R$ 6 mil de verbas rescisórias. Os valores foram pagos pela Dorbyn, totalizando R$ 44,8 mil. O total calculado pelos contadores da Pernambucanas e auditores da SRTE/SP, porém, era de R$ 173 mil. "A Dorbyn se recusou a pagar saldos de salários e outras remunerações anteriores", explica a auditora Giuliana Cassiano.



O relatório será encaminhado à Secretária de Inspeção do Trabalho (SIT) do MTE para que seja aberto procedimento administrativo que poderá culminar com a inclusão da Pernambucanas na "lista suja" do trabalho escravo.



O magazine, que completou 100 anos em 2008, recebeu todos os autos de infração e uma notificação do MTE na última quinta-feira (31) para adotar imediatamente providências como: sanar todas as irregularidades relatadas nos autos; promover a imediata anotação dos contratos de Trabalho nas CTPS dos trabalhadores - para isso, o MTE deve tornar sem efeito as anotações já realizadas pela Dorbyn; realizar o pagamento de todas as verbas de natureza trabalhista não quitadas com os trabalhadores até o momento - inclusive salários, horas extras, entre outros; garantir alojamento decente em imóveis apropriados, com um trabalhador por quarto e uma família por imóvel; e garantir o retorno daqueles que desejarem voltar à Bolívia.



A Pernambucanas não respondeu às questões enviadas pela reportagem sobre o caso. A empresa se limitou a dizer que enviou nota em que se vale de ata da audiência realizada no último dia 15 de março, acompanhada pela Repórter Brasil, na qual afirmou - por meio de seu advogado - não estar "reconhecendo qualquer responsabilidade pelas ocorrências relatadas e que não mantém relação alguma com a oficina implicada".



O magazine - que possui 16 mil funcionários próprios, alocados em 610 filiais espalhadas pelo país - ressaltou que segue "política de responsabilidade social que inclui o compromisso de todos os fornecedores com o respeito à legislação trabalhista e aos direitos do trabalhador". Informou ainda que uma cláusula no contrato de compra de mercadorias em que determina que o fornecedor "não poderá se envolver com, ou apoiar, a utilização de trabalho infantil, trabalho forçado ou quaisquer outras formas de exploração ilícita de mão de obra ou, ainda, outras atividades que, de maneira direta ou indireta, atinjam os princípios básicos da dignidade humana".



Tráfico



Foram apreendidos ainda sete cadernos com anotações de dívidas dos empregados com o dono da oficina. Há desde marcações referentes à compra de shampoo até o desconto do custo da passagem da Bolívia ao Brasil. Uma das vítimas chegou a receber R$ 238 por um mês inteiro de trabalho. Um dos cadernos também mostra outro tipo de redução no salário em virtude de peças com defeitos devolvidas pela empresa.



Muitos elementos indicam que os trabalhadores foram vítimas de tráfico de pessoas. Para Juliano Lobão, do Comitê Interinstitucional de Prevenção e Enfrentamento ao Tráfico de Pessoas, diversos fatores permitem tal apontamento. Entre eles, a recepção e a hospedagem dos trabalhadores pelo dono da oficina. "Isso por si só já caracteriza o crime de tráfico de pessoas, conforme definição do Protocolo de Palermo, ratificada pelo Decreto Nacional nº 5.948, de 26 de Outubro de 2006, que institui a Política Nacional de Enfrentamento ao Tráfico de Pessoas".



Além disso, foram encontrados documentos pessoais com descontos de valores ligados à hospedagem, à alimentação e a outros gastos. "Isso reforça ainda mais a exploração a qual os trabalhadores estavam submetidos. Não podemos ainda ignorar as péssimas condições encontradas no local de trabalho,e as condições de higiene igualmente ruins do local como um todo", detalha Juliano, que acompanhou a ação. A SRTE/SP encaminhará os cadernos à Polícia Federal (PF) para apuração dos indícios.



Paralelamente, a Defensoria Pública da União (DPU) está encaminhando pedido de regularização migratória das vítimas com base na Resolução Normativa nº 93, de 21/12/2010, do Conselho Nacional de Imigração (CNIg). A resolução prevê permanência provisória no país, pelo prazo de um ano, de estrangeiros submetidos ao tráfico de pessoas.



"Quem decide sobre o pedido é o Ministério da Justiça. O Comitê Interinstitucional de Prevenção e Enfrentamento ao Tráfico de Pessoas do Estado de São Paulo, que reúne várias instituições públicas com atuação no caso, também será acionado para os devidos encaminhamentos, a depender das demandas individuais de cada uma das vítimas", relata a defensora Fabiana Galera Severo, que está cuidando do caso.



A equipe de fiscalização foi composta pelo Comitê Interestadual de Prevenção e Enfrentamento ao Tráfico de Pessoas (ligado à Secretaria Estadual de Justiça de São Paulo), pela Comissão Municipal de Direitos Humanos, MTE, PF e Ministério Público do Trabalho (MPT). Contudo, os dois últimos órgãos abandonaram a ação quando ela ainda estava em curso.



De acordo com a assessoria de imprensa da Superintendência Regional da PF em São Paulo, os três agentes que participaram da ação tinham a função "única e exclusiva" de dar apoio e fazer a proteção policial. Diante do questionamento da reportagem sobre a motivação para o abandono da ação em andamento, o assessor de imprensa do órgão se limitou a dizer que as investigações sobre o caso ainda estão internamente em andamento e a posição será apresentada assim que houver algo mais conclusivo.



O MPT também informou, por meio da assessoria de imprensa, que a investigação e procedimentos administrativos ainda estão em curso e somente após a conclusão é que o órgão se pronunciaria.



**Nomes fictícios para que a identidade dos trabalhadores seja protegida.



ESCRAVIDAO NO BRASIL AINDA EXISTE

Trabalho escravo é encontrado na cadeia da Pernambucanas






Grupo de imigrantes sul-americanos submetidos a condições análogas à escravidão foi flagrado costurando blusas da coleção Outono-Inverno da Argonaut, marca jovem ligada às centenárias lojas Pernambucanas.



A reportagem é de Bianca Pyl e publicada pela Agência Repórter Brasil, 02-04-2011.



A casa branca, localizada em uma rua tranquila da Zona Norte da capital paulista, não levantava suspeita. Dentro dela, no entanto, 16 pessoas vindas da Bolívia viviam e eram explorados em condições de escravidão contemporânea na fabricação de roupas.



O grupo costurava blusas da coleção Outono-Inverno da Argonaut, marca jovem da tradicional Pernambucanas, no momento em que auditores fiscais da Superintendência Regional do Trabalho e Emprego de São Paulo (SRTE/SP) chegaram ao local.



Entre as vítimas, dois irmãos com 16 e 17 anos de idade e uma mulher com deficiência cognitiva. No local, a fiscalização constatou a degradação do ambiente, jornada exaustiva de trabalho e servidão por dívida, três traços que caracterizam o trabalho análogo ao de escravo - crime previsto no Art. 149 do Código Penal. As vítimas trabalham mais de 60 horas semanais para receber, em média, salário de R$ 400 mensais.



Descobriu-se que a encomenda das peças havia sido feita pela intermediária Dorbyn Fashion Ltda. - um entre os mais de 500 fornecedores da tradicional rede de lojas. O flagrante, registrado em 14 de março, motivou o Ministério do Trabalho e Emprego (MTE) a cobrar cerca de R$ 2,3 milhões da Pernambucanas, soma dos valores referentes a autuações com a notificação para recolhimento do Fundo de Garantia pelo Tempo de Serviço (FGTS).



A Repórter Brasil acompanhou a operação comandada pela SRTE/SP. O cenário encontrado de condições degradantes apresentava diversos riscos à saúde e segurança das vítimas. Não há janelas ou qualquer tipo de ventilação no espaço apertado e quente. A insalubridade, a precariedade e o improviso marcavam tanto os ambientes de trabalho quanto os de descanso.



Alimentos eram armazenados de forma irregular: além da bandeja de iogurte dentro da gaveta, a inspeção se deparou com carnes estragadas. A sofrível estrutura não permitia nem banhos com água quente.



As jornadas de trabalho eram exaustivas, sem pagamento de horas extras. Os "salários" não alcançavam o salário mínimo e muito menos o piso da categoria. Também foram recolhidas anotações referentes a descontos irregulares, artifício comum dentro do esquema de servidão por dívida. As passagens de ônibus para o Brasil eram "pagas" com trabalho intenso de costura.



Na chegada da equipe de fiscalização, os trabalhadores deixaram transparecer a apreensão. "Medo de ter que ir embora sem nada", disse um deles. Um costureiro interrompe o depoimento do outro e poucos falam abertamente sobre as condições em que vivem. Mesmo assim, Joana** relatou que "quanto mais rápido se trabalha, mais se pode ganhar". Ela e seus companheiros de trabalho não tinham, contudo, acesso ao controle de sua produção e nem quanto receberia por peça. As jovens nunca viram as roupas que produzem na loja e nunca compraram nada nas lojas Pernambucanas.



A primeira pergunta que Joana** fez às autoridades presentes veio de chofre: "Eu posso estudar?". A jovem sempre alimentou o sonho de cursar - em sentido inverso percorrido por muitos brasileiros que estudam na Bolívia para se tornar médicos - uma faculdade de Medicina no Brasil.



Ela contou já ter feito o curso preparatório em seu país. A jovem chegara em São Paulo (SP) apenas um mês antes do flagrante. Um táxi teria sido encarregado de trazê-la da rodoviária diretamente até a discreta oficina. Na cidade de El Alto, vizinha à capital La Paz, Joana** consertava telefones celulares.



A investigação que chegou até o local começou em agosto do ano passado, quando outra oficina que empregava imigrantes sem documentos e em condições degradantes foi flagrada costurando vestidos Vanguard, marca feminina adulta da Pernambucanas - a Repórter Brasil também acompanhou esta ação e publicará, em breve, outra reportagem com mais detalhes da operação passada.



A partir de então, auditores e auditoras da SRTE/SP decidiram aprofundar as investigações para verificar a eventual repetição das ocorrências constatadas na confecção das peças da Vanguard em outras oficinas irregulares e para coletar subsídios adicionais para embasar as conclusões oficiais.



A fiscalização teve acesso ao pedido de compra do lote (2.748 peças) do "casaco longo moletom - tema Romance Gótico", da Argonaut, que os libertados costuravam no momento da ação. As Pernambucanas pagariam R$ 33,50 por cada peça à Dorbyn e venderia a mesma por R$ 79,90. O valor pago pela Dorbyn por cada blusa à oficina de costura era de R$ 4,30.



Riscos



Em dois cômodos pequenos, pelo menos oito máquinas estavam sendo utilizadas. Uma das paredes apresentava rachaduras. No teto, a cobertura de plástico estava cedendo. A única janela dava acesso a um dos quartos e estava fechada, com uma costureira trabalhando de costas. Esse ambiente era frequentado por três crianças.



Os auditores da área de Saúde e Segurança do Trabalho interditaram a oficina porque havia grave e iminente risco à vida dos trabalhadores. A lista de problemas começava com a rede elétrica, instalada de forma irregular, com os fios elétricos expostos.



"Nós verificamos o uso excessivo de benjamins - prática que não é permitida porque causa uma sobretensão muito grande. E o risco de curto e, consequentemente, de incêndios era alto", explicou Rodrigo Vieira Vaz.



Não havia extintor de incêncio ou rota de fugas no local. Os tecidos, que são materiais inflamáveis, ficam espalhados pelo chão da oficina, dificultando até a circulação das pessoas.



A iluminação do ambiente era imprópria e, segundo avaliação dos técnicos, poderia acarretar em problemas na visão dos costureiros e costureiras. A Norma Regulamentadora 17 (NR-17) prevê iluminação especifica para este tipo de trabalho.



As cadeiras utilizadas não tinham nenhuma regulagem: eram bancos sem encostos. Até mesmo uma caixa de papelão servia para assento de um dos trabalhadores. O uso de cadeiras inadequadas pode acarretar problemas na coluna ou músculo-esquelético.



A exposição a lesões e acidentes era latente. As correias das máquinas não tinham proteção alguma. "A correia pega velocidade com o acionamento das máquinas e pode até decepar um dedo", exemplifica Teresinha Aparecida Dias Ramos, médica e auditora fiscal que fez parte da equipe de operação. Para ela, a probabilidade de proliferação de doenças era muito grande por conta da falta de higiene e de ventilação.



A fiscalização encontrou alimentos vencidos na geladeira da oficina. A cozinha era suja e minúscula. Não havia mesas ou cadeiras para que os empregados pudessem fazer as refeições com um mínimo de conforto.

As instalações sanitárias também eram sujas e insuficientes para a quantidade de costureiros e costureiras. Os banheiros exalavam odor forte e asqueroso. O único chuveiro elétrico estava desligado por causa da sobrecarga de energia elétrica da oficina, com fiações cortadas, o que forçava os imigrantes a encarar o temido banho de água fria. O empregador não fornecia roupas de cama e toalhas de banho.



A limpeza dos dormitórios, das instalações sanitárias e demais dependências era feita pelos próprios trabalhadores, conforme escala fixada na porta de um dos banheiros. Os alojamentos eram dois dormitórios divididos por guarda-roupas de modo a criar quatro espaços diferentes, que eram divididos entre todos os trabalhadores, inclusive os casais com filhos. Eram três casais, sendo um com dois filhos e os outros com uma filha cada.



Intermediária



Durante a fiscalização, dois funcionários da Dorbyn - Rogério Luís Rodrigues de Freitas, gerente administrativo, e Maria Xavier dos Santos, encarregada de acabamento das peças produzidas - foram até a oficina para verificar como estava a produção dos bolivianos.



De acordo com levantamento da fiscalização, outras 16 oficinas informais produziram peças para a Dorbyn entre janeiro de 2010 e fevereiro de 2011. Apenas a oficina da Zona Norte flagrada com trabalho escravo produziu 49,8 mil peças ao longo do período. Na prática, portanto, foi o ponto de costura que mais forneceu para a Dorbyn durante o intervalo pesquisado.



O boliviano que se apresentou como dono da oficina vistoriada disse ter conhecido a Dorbyn, no mercado desde 1979, por meio de folhetos distribuídos na Praça Kantuta - ponto de encontro de imigrantes bolivianos no centro da metrópole. Ele foi até o bairro do Brás, onde fica a sede da intermediária, e se acertou com o gerente Rogério. Passou, então, a abastecer a empresa em 2009. Segundo depoimentos, a pequena oficina costura com exclusividade para a Dorbyn pelo menos desde outubro de 2010.



À Repórter Brasil, Fábio Khouri, um dos sócios da Dorbyn, declarou que o número de oficinas subcontratadas varia de acordo com a época. O empresário não quis informar quantos funcionários a Dorbyn mantém registrados nem quantas encomendas que recebem se referem diretamente a Pernambucanas. Disse ainda que o fornecimento da oficina fiscalizada não era contínuo e que o mesmo dependia da disponibilidade do oficinista.

"Assim que ele [dono da oficina] regularizar a situação, abrir firma e registrar os funcionários, a Dorbyn continuará a ´mandar´ serviço, dependendo da necessidade", completou. Segundo Fábio, a Dorbyn "de forma alguma" conhecia a situação dos trabalhadores. "Havia alguma semanas que não íamos lá", colocou, sem antes reiterar que costuma auditar os parceiros que contrata para verificar em que condições as peças estão sendo produzidas.



Responsabilização



Na avaliação dos integrantes da SRTE/SP, a responsabilidade trabalhista é da Pernambucanas. Foram lavrados 41 autos contra a empresa - cada auto se refere a uma irregularidade constatada.



Segundo Luís Alexandre Faria, que coordenou a operação, a Pernambucanas não pode alegar que apenas vende - e não produz - peças de vestuário."Os atos diretivos e empresariais são da Pernambucanas. É a empresa que determina a tendência, faz o controle de qualidade de cada peça, estipula o preço e o prazo que as peças devem ser entregues", acrescentou. Por causa desse papel determinante na produção, foi possível identificar a subordinação reticular dos outros envolvidos frente a Pernambucanas.



A produção pulverizada das peças dos grandes magazines propicia agilidade na entrega e transfere os custos empresariais e trabalhistas para a ponta da cadeia produtiva. "Há uma demanda de consumo muito grande que deu espaço ao chamado fast fashion", complementou Luís. O que ocorre é uma espécie de concorrência ao revés - se uma determinada oficina não aceita produzir peças a um determinado valor, outra certamente aceitará.



Após a inspeção na referida oficina de costura, a equipe da SRTE/SP também realizou auditoria contábil e in loco na sede da empresa Arthur Lundgren Tecidos S.A - Casas Pernambucanas. A partir desse trabalho, foi mapeada a cadeia produtiva das peças comercializadas pela rede - desde fornecedoras diretas , passando por confecções e chegando até as oficinas de costura quarteirizadas, inclusive com a discriminação de onde se localizam.



O resultado da primeira etapa de investigações demonstra, segundo a auditoria, que o processo de produção (costura) das roupas das Pernambucanas ocorre com total precarização das condições contratuais dos trabalhadores e dos ambientes de trabalho, resultando no desrespeito aos mais básicos e elementares direitos dos trabalhadores.



O flagrante na oficina da vez não deve ser entendido como caso isolado, como advertem os membros da SRTE/SP. Na visão apresentada por eles, as empresas interpostas, chamadas pela Pernambucanas de fornecedoras, funcionam, na realidade, como verdadeiras células de produção da empresa, todas interligadas em rede por contratos simulando prestação de serviço, mas que, na realidade, encobertam "nítida relação de emprego entre todos os obreiros das empresas interpostas e a empresa autuada".



Em reunião com os auditores, Eduardo Tosta de Sá Humberg, gerente da Pernambucanas, afirmou não reconhecer a responsabilidade da empresa pelos trabalhadores encontrados em situação degradante, "tendo em vista que a empresa tão-somente faria a compra de peças de vestuário de seus fornecedores". Antes de selecionar um fornecedor, a empresa alega que faz uma criteriosa análise da capacidade produtiva.



Entretanto, nenhum costureiro aparece admitido no livro de registros da Dorbyn, apreendido para averiguação. Há apenas um encarregado, um ajudante geral, um assistente financeiro, um auxiliar de limpeza, um auxiliar de manutenção, dois balconistas e um encarregado de expedição.



"A Dorbyn nada agrega ao processo produtivo das peças comercializadas e encomendadas pela Pernambucanas", conforme o relatório da fiscalização. A empresa não possui nem trabalhadores da área de criação, nem costureiros, já que toda a produção é "quarteirizada" para oficinas de costura. Na avaliação da SRTE/SP, a Dorbyn não possui capacidade produtiva para a produção das peças encomendadas pela Pernambucanas.



Entre abril e junho de 2010, a Dorbyn vendeu 4,9 mil peças para diversos compradores, enquanto que para a Pernambucanas as vendas foram de quase 50 mil peças no total. "Isso mostra a dependência da Dorbyn em relação a Pernambucanas", explicou Luís Alexandre.



De acordo com a auditoria, a intermediária confeccionou 141,5 mil peças de vestuário, de janeiro de 2010 a fevereiro deste ano, que foram vendidas para as lojas Pernambucanas. O "fornecimento" não exigiu a contratação formal de nenhuma costureira ou costureiro em uma atividade econômica que, aliás, é conhecida pela intensiva utilização de mão de obra.



O relatório final problematiza a questão. "Esta forma de superexploração da força de trabalho, negando aos trabalhadores direitos laborais e previdenciários mínimos, dá-se com intuito de maximizar os lucros, atingindo uma redução do preço dos produtos, caracterizando uma vantagem indevida no mercado e levando à concorrência desleal".



Após a fiscalização, os libertados receberam a guia para sacar três parcelas do Seguro Desemprego para o Trabalhador Resgatado e a Carteira de Trabalho e da Previdência Social (CTPS) provisória, válida por 90 dias.



As vítimas receberam entre R$ 1,5 mil e R$ 6 mil de verbas rescisórias. Os valores foram pagos pela Dorbyn, totalizando R$ 44,8 mil. O total calculado pelos contadores da Pernambucanas e auditores da SRTE/SP, porém, era de R$ 173 mil. "A Dorbyn se recusou a pagar saldos de salários e outras remunerações anteriores", explica a auditora Giuliana Cassiano.



O relatório será encaminhado à Secretária de Inspeção do Trabalho (SIT) do MTE para que seja aberto procedimento administrativo que poderá culminar com a inclusão da Pernambucanas na "lista suja" do trabalho escravo.



O magazine, que completou 100 anos em 2008, recebeu todos os autos de infração e uma notificação do MTE na última quinta-feira (31) para adotar imediatamente providências como: sanar todas as irregularidades relatadas nos autos; promover a imediata anotação dos contratos de Trabalho nas CTPS dos trabalhadores - para isso, o MTE deve tornar sem efeito as anotações já realizadas pela Dorbyn; realizar o pagamento de todas as verbas de natureza trabalhista não quitadas com os trabalhadores até o momento - inclusive salários, horas extras, entre outros; garantir alojamento decente em imóveis apropriados, com um trabalhador por quarto e uma família por imóvel; e garantir o retorno daqueles que desejarem voltar à Bolívia.



A Pernambucanas não respondeu às questões enviadas pela reportagem sobre o caso. A empresa se limitou a dizer que enviou nota em que se vale de ata da audiência realizada no último dia 15 de março, acompanhada pela Repórter Brasil, na qual afirmou - por meio de seu advogado - não estar "reconhecendo qualquer responsabilidade pelas ocorrências relatadas e que não mantém relação alguma com a oficina implicada".



O magazine - que possui 16 mil funcionários próprios, alocados em 610 filiais espalhadas pelo país - ressaltou que segue "política de responsabilidade social que inclui o compromisso de todos os fornecedores com o respeito à legislação trabalhista e aos direitos do trabalhador". Informou ainda que uma cláusula no contrato de compra de mercadorias em que determina que o fornecedor "não poderá se envolver com, ou apoiar, a utilização de trabalho infantil, trabalho forçado ou quaisquer outras formas de exploração ilícita de mão de obra ou, ainda, outras atividades que, de maneira direta ou indireta, atinjam os princípios básicos da dignidade humana".



Tráfico



Foram apreendidos ainda sete cadernos com anotações de dívidas dos empregados com o dono da oficina. Há desde marcações referentes à compra de shampoo até o desconto do custo da passagem da Bolívia ao Brasil. Uma das vítimas chegou a receber R$ 238 por um mês inteiro de trabalho. Um dos cadernos também mostra outro tipo de redução no salário em virtude de peças com defeitos devolvidas pela empresa.



Muitos elementos indicam que os trabalhadores foram vítimas de tráfico de pessoas. Para Juliano Lobão, do Comitê Interinstitucional de Prevenção e Enfrentamento ao Tráfico de Pessoas, diversos fatores permitem tal apontamento. Entre eles, a recepção e a hospedagem dos trabalhadores pelo dono da oficina. "Isso por si só já caracteriza o crime de tráfico de pessoas, conforme definição do Protocolo de Palermo, ratificada pelo Decreto Nacional nº 5.948, de 26 de Outubro de 2006, que institui a Política Nacional de Enfrentamento ao Tráfico de Pessoas".



Além disso, foram encontrados documentos pessoais com descontos de valores ligados à hospedagem, à alimentação e a outros gastos. "Isso reforça ainda mais a exploração a qual os trabalhadores estavam submetidos. Não podemos ainda ignorar as péssimas condições encontradas no local de trabalho,e as condições de higiene igualmente ruins do local como um todo", detalha Juliano, que acompanhou a ação. A SRTE/SP encaminhará os cadernos à Polícia Federal (PF) para apuração dos indícios.



Paralelamente, a Defensoria Pública da União (DPU) está encaminhando pedido de regularização migratória das vítimas com base na Resolução Normativa nº 93, de 21/12/2010, do Conselho Nacional de Imigração (CNIg). A resolução prevê permanência provisória no país, pelo prazo de um ano, de estrangeiros submetidos ao tráfico de pessoas.



"Quem decide sobre o pedido é o Ministério da Justiça. O Comitê Interinstitucional de Prevenção e Enfrentamento ao Tráfico de Pessoas do Estado de São Paulo, que reúne várias instituições públicas com atuação no caso, também será acionado para os devidos encaminhamentos, a depender das demandas individuais de cada uma das vítimas", relata a defensora Fabiana Galera Severo, que está cuidando do caso.



A equipe de fiscalização foi composta pelo Comitê Interestadual de Prevenção e Enfrentamento ao Tráfico de Pessoas (ligado à Secretaria Estadual de Justiça de São Paulo), pela Comissão Municipal de Direitos Humanos, MTE, PF e Ministério Público do Trabalho (MPT). Contudo, os dois últimos órgãos abandonaram a ação quando ela ainda estava em curso.



De acordo com a assessoria de imprensa da Superintendência Regional da PF em São Paulo, os três agentes que participaram da ação tinham a função "única e exclusiva" de dar apoio e fazer a proteção policial. Diante do questionamento da reportagem sobre a motivação para o abandono da ação em andamento, o assessor de imprensa do órgão se limitou a dizer que as investigações sobre o caso ainda estão internamente em andamento e a posição será apresentada assim que houver algo mais conclusivo.



O MPT também informou, por meio da assessoria de imprensa, que a investigação e procedimentos administrativos ainda estão em curso e somente após a conclusão é que o órgão se pronunciaria.



**Nomes fictícios para que a identidade dos trabalhadores seja protegida.



EDITORIAL SOBRE OS TERREMOTOS DO JAPAO

''A inatural catástrofe do Japão é o preço do lucro buscado a todo custo''






"É legítimo se perguntar se a trágica vulnerabilidade das centrais nucleares do país dos tsunamis não tem verdadeiramente nenhuma relação com a insana busca de economias, também em termos de segurança e de saúde. A catástrofe de Fukushima não é só 'natural'".



A opinião é do filósofo francês Pascal Acot, do Centro Nacional de Pesquisas Científicas - CNRS da França, em artigo para o jornal La Repubblica, 31-03-2011. A tradução é de Moisés Sbardelotto.



Eis o texto.



Tsunami é uma palavra japonesa que poderia ser traduzida como "onda no porto". Isso significa que catástrofes como a que atingiu o Japão fazem parte da sua cultura e que não se pode invocar a fatalidade ou fingir que um desastre dessas dimensões fosse imprevisível.



O motivo é tragicamente simples: esse país está situado na confluência de quatro "placas tectônicas", partes da crosta terrestre da espessura de cerca de 100 quilômetros. Essas placas não param de se mover, de entrar em colisão, de se sobrepor, provocando assim numerosos sismos na região: ao longo dos últimos dez anos, 16 sismos de grande intensidade (entre 5,8 e 8,1 graus) atingiram o Japão.



No dia 17 de janeiro de 1995, um terremoto de grandíssima magnitude (7,3) devastou a cidade de Kobe e as regiões de Osaka e Kyoto, provocando 6.500 mortos e destruindo 250 mil casas. No ano seguinte, no dia 15 de novembro de 1996, um dos terremotos mais violentos de todos os tempos (8,1) fez disparar o alerta de tsunami no extremo norte do arquipélago japonês. Na semana passada, a magnitude do sismo do dia 11 de março foi reavaliada como de grau 9! Isso o coloca no quarto lugar mundial, desde 1900, e o torna o mais importante da história recente do Japão.



Considerando as dimensões da tragédia e as terríveis incertezas sobre a dispersão de radioatividade, ainda não é oportuno fazer julgamentos definitivos sobre um evento tão complexo quanto doloroso.



Atualmente, não devemos temer na Europa uma contaminação grave devida às fugas radioativas de Fukushima, que se dispersam em doses infinitesimais e, portanto, não são perigosas para a saúde. Lembremo-nos das dezenas de explosões termonucleares para experiências militares realizadas nos anos 50 e que tiveram, parece, consequências em nível mundial.



No Japão, ao contrário, e talvez em algumas regiões do Sudeste Asiático, tudo irá depender da intensidade das radiações e do tempo de exposição aos fatores radioativos. Neste momento, a situação em Fukushima está fora de controle. A saúde de milhões de japoneses, portanto, está ameaçada: os potenciais efeitos das radiações poderiam fazer de Fukushima uma segunda Chernobyl.



Os engenheiros da Tepco não estão dando conta e são evidentemente incompetentes. Os sistemas de segurança são manifestamente insuficientes. A catástrofe, portanto, tornou-se, sob certos aspectos, global: em muitos países, a indústria nuclear civil é objeto de violentos ataques. Isso se refere também à Itália, que compra da França eletricidade "nuclear".



A primeira pergunta é sobre a chamada fatalidade: "Não podíamos prever os efeitos do tsunami", declararam, por sua vez, os responsáveis japoneses na TV. Isso é muito discutível: como ousam evocar desse modo os efeitos desse poderoso tsunami em um país que sofreu centenas deles na sua história? Além disso, todos no Japão sabem que, em 2003, a empresa eletronuclear de direito privado Tepco teve que fechar todos os seus reatores depois da descoberta de documentos falsificados para esconder os acidentes (cerca de 200) ocorridos, também na central de Fukushima.



Sabemos também que as usinas nucleares da Tepco, na região costeira de Niigata, foram danificados em julho de 2007 por um sismo de magnitude 6,8 (que levou a uma diminuição de 7% dos dividendos distribuídos aos acionistas e a uma perda de 75% dos lucros da sociedade). O que ocorreu em Fukushima era, portanto, previsível.



Os japoneses que perderam um ou mais parentes, ou a sua casa, ou o seu trabalho, ou todas essas três coisas ao mesmo tempo teriam o direito de pedir conta delas a todos os que esconderam ou minimizaram esses fatos. Sem falar daquelas que, na Europa, são consideradas por muitos especialistas como centrais low cost do ponto de vista da segurança.



Isso levanta uma segunda dúvida, sobre os riscos que a privatização de uma indústria sensível como a eletronuclear faz com que a população corra. Esse debate se reveste de uma natureza completamente diferente da que se refere a certos serviços públicos: a privatização do serviço público da produção e da distribuição da água potável, por exemplo, raramente tem efeitos nefastos em termos de saúde pública nos países "avançados". Ao contrário, a busca do lucro, por parte de poderosos acionistas (como os fundos d pensão) poderia ter graves consequências.



Portanto, é legítimo se perguntar se a trágica vulnerabilidade das centrais nucleares do país dos tsunamis não tem verdadeiramente nenhuma relação com a insana busca de economias, também em termos de segurança e de saúde. A Tepco recém admitiu que, entre 2001 e 2011, o controle obrigatório da segurança nas usinas não foi feito! A catástrofe de Fukushima não é só "natural". É cada vez mais claro que a segurança dos japoneses foi coloca em jogo na Bolsa de Tóquio.